Amigo corvo

Amigo  corvo das noturnas plagas
És negro, negro – como a negra noite
Par’onde vais?! Por onde que  tu vagas
Com teu crocito forte como acoite?!
És  belo  e nobre, negro amigo corvo
E majestoso – como também torvro –,
Me respondais enfim: vieste d’onde?!
Qual teu destino neste triste inverno
Diga-me logo, pois o sol se esconde
Qual dos lugares vieste: céu ou inferno?

Amigo negro d’asas azulada,
Que vais passando pelo milharal,
És um mistério pela madrugada
Trazendo medo – nada mais mortal
Mas imagino nobre e bom amigo
Qu’é ti que busco, sim, que te persigo
Para levar tod’essa decadência
Do ser humano hipócrita – doente -,
Medíocre, com delírio, com demência,
Dizendo muitas vezes: “Sou um crente.”

É ti que busco pela noite adentro
Talvez pra desvendares os arcanos
Que fico a cogitar, que me concentro
Durante vários meses – vários anos...
Mostrai-me então aqueles grans segredos
Dos céus, dos firmamentos, dos degredos
Que omitem velhas runas ancestrais
Diga-me, pois, dizei-me, só dizei-me
Quem sabe, então, talvez, eu tenha paz!...
Tragas respostas para que’eu não teime.

Oh sim meu caro amigo, és mui nobre
Trazendo as respostas escondidas
Tem gente, como sabes, que não gosta
De ouvir as grans verdades – dá feridas
São muitos os hipócritas farsantes
E, dizem-se atentos e amantes
De tudo que se faz – sem são “honestos”
Mas ao olharmos, mesmo, mesmo, mesmo,
Veremos qu’os discursos são funestos
Palavras proferidas com muit’esmo...

 

Levai-me ao teu Reino Encantado
Pois tenho grande curiosidade
Pra descobrir, rever, ser decifrado,
O quê que existe lá na eternidade?!
Levai-me enquanto é tempo; a noite desce
O galo vai cantar pr’o sol que aquece
E sei que tu nãs estarás aqui...
Levai-me pro teu Reino tão funéreo
Mostrando os caminhos que não vi –
Depois de desvendado o mistério... 

Não temo s’és a morte temerosa
Ou mesmo s’um demônio ou profeta
A minha vida está tão amargosa
Que nada por mais doce a completa
Os versos preferidos, não são mais
Aqueles meus amigos – tão leais –,
Sumiram, se esconderam – para sempre
Estou a procurá-los – ond’estão?!
Não quero me lembrar – “Pois não se lembre!”
Pois sinto mui sombrio meu coração

Levai-me, amigo corvo, pra bem longe
Par’onde dormem todos os poetas –
Onde nenhum metal mais fino gonge –,
Os gênios, os pintores, os profetas
Oh sim! Me encaminhai pr’um dos seus Portos
Eu quero ir pro seu Reino – o dos mortos,
Pois lá – só lá  - que existe segurança
Ninguém mais vive cheio de frescura
E nem acepções, nem esquivança –,
Só ficam contemplando a noite escura.

O povo teme, e como teme, o inferno,
Sim  teme o fogo, teme os demônios
De ser lembrar dos seu mal eterno
Pois teme enlouquecer nos manicômios
Coitado tenho dó não sabe nada –
Que medo, que terror, que pavorada –,
O inferno está nas ruas – nas famílias,
Pois vê-se muito crime e iniquidades
E fomes, e desgraças – bigorrilhas...

Oh sim! Amigo leve-me daqui
Pois nas igrejas quantahipocisia
Os crentes que conheço, que já vi,
São falsos e medíocre, d’almas frias,
Ah meu sinistro amigo vou-m’embora.
Eu vou acompanhar-te nesta aurora
Por que ter um sofre assim maldito?!
Mas vivo o sofrimento tão cativo
Parece tão eterno – infinito
Qu’às vezes fico quieto – me esquivo...

Oh sim meu nobre e negro amigo corvo
Eu vou partir contigo se consentes
Já chega de agüentar tanto estorvo
Eu quero ser feliz – feliz somente
Num mundo mais tranqüilo – silencioso
Tão calmo, tão para, tão gostoso...
Intrigas? Não! Nem aborrecimentos;
Ali, somente ali que terei paz
Gozando aqueles bons doces momentos
Não sofrerei – sim – nunca, nunca mais!...

 

 

16-19/06/1998
Gonçalves Reis
Enviado por Gonçalves Reis em 09/11/2007
Código do texto: T729471
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