A morte é para idealistas
Lembrança de outros tempos,
Só lembro dos bons momentos,
E os ruins esquecidos.
Hoje viver é lamento,
Tempo virou um tormento,
Se paga o imprevisível.
Ontem a rua era minha,
Tristeza quase não tinha,
Bola de gude e pipa.
Pés que o asfalto moldava,
Fome com pão se matava,
Água os vizinhos serviam.
Rua era quase um quintal,
Com campo de futebol,
Ralados não nos doíam.
Hoje esta tudo acabado,
Violência pra todo lado,
Medo de ser assaltado,
Risco de ser sequestrado,
De ter o filho roubado,
Ou o pai assassinado,
Pavor de fogo cruzado,
Por bala perdida, achado,
Confundem retrato falado,
Pela polícia levado,
Tempo para ser inocentado.
E os ponteiros correndo,
Ampulheta, areia descendo,
O tempo vamos perdendo.
Paga ou juros comendo,
Aqui sem ressarcimento,
No banco estamos devendo,
E vamos empobrecendo,
Cada vez mais perdendo,
Não temos reconhecimento,
Decepções vamos tendo,
O peito anda doendo,
Caímos, estamos morrendo.
E o enterro foi triste,
De conhecidos, uns vinte
Outros que a vida omite,
Tempo que não lhes permite.
Mesmo que a alma insista,
Sistema não facilita,
Se quer dinheiro, persista,
A morte é para idealistas.
Deixou mulher e dois filhos,
Hoje desguarnecidos,
Foi tudo um imprevisto.
Seguro foi indeferido,
Tinha um boleto vencido,
Não pago pelo falecido.
Ele não tinha cinquenta,
Queria chegar aos noventa,
Mas o coração não aguenta,
Parou, acabou a existência.
O sonho do sítio ficou,
A paz por que tanto lutou,
A sete palmos encontrou,
Porém não levou o amor,
Seu tempo aqui se esgotou,
Morreu e nada levou,
E o nada de herança deixou.