DESMATERIALIZAÇÃO

Entorpecido pela ilusão do vício,

Houve um tempo em que eu não vivia;

Debatia-me com meus fantasmas,

Compulsivamente me perdia.

Não percebia um palmo à minha volta.

Por capricho ou teimosia,

A cada manhã meu fígado renascia.

Desprovido de qualquer ânimo,

Em sofreguidão, a cada segundo eu desvivia,

A vida parecia impraticável, desprezível;

Meus passos eram lentos e sinuosos,

Sempre direcionados para o abismo.

Eu não desejava a solidão assombrosa.

A escuridão projetava em mim,

Uma sucessão de temeridades.

Em cada canto um dragão me espreitava.

Eu recuava a cada desafio.

Tentava odiar ainda mais o mundo.

Era uma fuga para não me apresentar.

Tudo acontecia desgovernado,

Eu espiava a tudo com desdenho,

Sonhando com um providencial milagre,

Capaz de aplacar as maledicências

Que teimavam em roubar minha aura.

Nada acontecia, tudo desmoronava.

O lamaçal da incredulidade castigava.

Meu passado diluído em calúnias...

E o reverso da medalha machucava,

Estava sendo difícil resgatar a dignidade...

Tudo dormia em transe infindo e alucinado.

A cada novo dia, o ceticismo se agigantava,

Cheguei a duvidar do meu próprio reflexo.

Olhei para mim enxergando um estranho.

Sabia que cálculo errado não tem soma,

E o resultado é sempre negativo;

Pois somente o firmamento é forte.

Mas ainda assim faltam-lhe as estrelas.

Ninguém é supremo e imbatível,

Nada é absoluto e duradouro.

A vida não prega surpresas indesejáveis,

Nós a mudamos freqüentemente.

Mergulhei na atrofia utópica da trajetória...

Em transe, enterrei-me ainda em vida,

Partilhando do covil devassador

Que cerca a mente no desalento final.

Envolvido na mortalha da fraqueza,

Preconizei a derrocada com alarde.

A insanidade imperou com veemência,

Aliada à eterna e sonhada degeneração,

Mordi um “punk” conhecido por Drácula;

Ateei fogo num masoquista por nome lúcifer

E raspei o ridículo bigode dum alemão.

Minha matéria ardia em labaredas.

Amparado no silencioso ato fúnebre,

Vi, a desmaterialização da massa obesa,

Fotografei o exato momento da dor,

Revelei o pavoroso quadro das trevas.

O filme da vida estava depauperado, em bolor!

Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 15/11/2005
Código do texto: T71984