Na esquina em que a porta se fechava

A manhã nasceu desordenada.

Tinha nos olhos plasmados sobre as coisas

a dolência dos Deuses revisitados em panteões idos e,

nos lençóis esquecidos, como que perdidos,

permaneciam ainda lenços bordados de cambraia

… lenços dos namorados.

Em cada ruga, num segundo preguiçoso

de madrugadas de Maio,

em cada cheiro em que a rua respigava

liturgias de silêncio,

em que, de lá de fora, a vida lhe espicaçava

num Sol mortal d’alma nua,

vinham, como quem chora, palavras em catadupa,

dobradas no beijo p’la cintura dos joelhos.

As que usara quando lhe falara d'enlevos

de corpos justapostos,

de desenhos navegados de tão lentos,

de sentimentos revoltos,

d’afectos soltos, soltos,

… nas crinas intemporais dos braços do tempo.

Na esquina em que a porta se fechava,

em que a noite a escurecia na palidez do dia,

aniquilou-se em si

se, das dobradiças desengonçadas Novembro

se atrevia e respirava.

Não, já não chorava. Morria!

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 01/11/2007
Código do texto: T719349
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