Malogro

Era ainda uma semente

ninguém tocava,

ninguém via.

Desabrochava no ventre

feito botão de rosa

à luz do dia.

Dormia

de mãozinhas cruzadas

como quem faz uma oração.

De vez em quando sorria

quando alguém lhe punha a mão.

Desabrochava no ventre

feito botão de rosa

à luz do dia.

Em seus sonhos inocentes,

os anjos lhe desvendavam

o mundo fora do ventre:

se o sol brilhava de noite

e como a chuva caía.

Pensava enquanto crescia

no rosto de sua mãe. Como seria?

Desabrochava no ventre

feito botão de rosa

à luz do dia.

No aconchego da morada,

ouviu uma voz dizer

para a mãe: "Não vai doer".

Ainda sem entender

deu risinhos de alegria,

acreditou ser a hora

de ver o rosto da mãe

e descobrir se o sol brilha.

Desabrochava no ventre

feito botão de rosa

à luz do dia.

O botão foi aparado,

cortado com maestria.

Nunca chegou a saber

se o sol brilhava de noite

ou se brilhava de dia,

não viu o rosto da mãe

nem como a chuva caía.

Ele jamais se fez rosa...

Murchou de forma silenciosa,

não pôde gritar sua agonia.

(Sirlei L. Passolongo)