CRIATURAS ERRANTES.

Um dia, fui levado a renunciar meu ceticismo.

A madrugada era fria, com ventos uivantes.

Fechei os olhos cansados para adormecer.

Dezenas de imagens se materializaram.

Algumas difusas, outras, com vivacidade.

Uma multidão de rostos a dançarem

Num ziguezaguear que alucinava.

A penumbra inoculava o pavor em minhas veias.

Pensei tratar-se de costumeiros sonhos,

Depois atinei para os constantes pesadelos.

Em desespero, tenteis abrir os olhos.

Vão esforços face minha imobilidade.

Vi-me forçado a contemplar a multidão,

Numa profusão de mórbidas entidades.

Faces dóceis, algumas assustadoras.

Pediam algo, faziam gestos desconhecidos.

Pus-me a observar as criaturas em movimentos.

Senti o tremor envolver-me sem piedade.

Pensei em invocar algum orixá,

Todas as divindades estavam em missão!

Não consegui rezar o Pai Nosso...

Findei por acender velas de sétimo dia,

Mera tentativa sugada pelo traiçoeiro vento.

As entidades insistiam numa comunicação.

Tornei-me instrumento de seus anseios,

Ouvi lamentos com complacência,

Firmei parceria com almas caritativas,

Realizando inúmeras pendências;

Preenchendo lacunas inacabadas.

Com o passar dos anos, assenti a visita,

Mas até hoje não me habituei aos mortos.

E foi assim que minha incredulidade

Sucumbiu frente ao mistério do além.

Vejo o desconsolo que cerca a abrupta partida,

Onde amigos e familiares padecem tristonhos,

O revez da mortalha fúnebre afugenta a fé.

A impotência refletida em rostos estupefatos.

O pedido de perdão sempre é rogado,

Clamam a remissão de atrocidades,

E praguejam contra o momento final,

Querendo embutir no criador, a culpa,

Como se a estadia terrestre fosse infinda.

Mas se esquecem que todo o aprendizado

Que adquirem no curso da vida,

Nada mais é que uma aceitação à morte.

Sempre presencio o oferecimento de

Rosas cálidas para criaturas errantes.

A vida é uma longa e saudável farra,

Nós somos criaturinhas comedidas,

Travestidas no fel da discriminação

Que enegrece principio meio e fim.

Porque chorar o fenecimento da vida,

Uma vez que inexiste ser humano

Merecedor do sonhoso brilho da eternidade?

********RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS************

"Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo"

Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 14/11/2005
Reeditado em 14/11/2005
Código do texto: T71266