Chove.

Se fosse apenas a vida

E se a gente tivesse só

Que olhar a chuva na janela

Mas tem dias que o ranger da porta assusta

Tem dias que o ranger da porta irrita

E tem dias em que a porta range

Custa um tempo a perceber a falta

das coisas que a chuva trazia

No silêncio a alma grita

Porém, é tão grande esse silêncio

Que nem mesmo a própria alma escuta

Mas ele é assim, tão lancinante

Que eu sei que o próprio Deus garante

A alma o sente

Não nos basta ter de volta aquele tempo

Aquela coisa corroída pela chuva

Um tempo carcomido pelo tempo

Por mais breve ele fosse

Muito ele abrange

Tem dias em que há previsão de tempestade

Se fosse então apenas

Ter que olhar o Sol pela janela

Abrir a porta ao vasto mundo

Perceber que amanhã

Também não trará nada

Nada além de outra manhã

Aquela que desfolha as flores

Ver as pétalas já mortas

Com o vento a levá-las

Todas pra bem longe

Sem cores, sem viço, sem nada

Em cada fim de tarde

O mesmo vento na janela

Aquela velha porta range

Não me assusta, nem me irrita

Me toca à duras penas

Me apenas convida a viver

Como se fosse outro dia de chuva

Sem chuva nova, sem nem mesmo a velha chuva

Apenas chove

Sem as coisas que ela trazia

Ela não trouxe nada

Eu não quero outra vida

Nem aquela de volta

Eu quero essa à distância

Olhar o mundo do espaço

Que um dia, antes da invenção do tempo

Eras antes do cansaço

Era assim que a vida prometeu que ela seria.

Edson Ricardo Paiva.