Diário de Uma Morte Anunciada
O curso de água arfante
Vai em seu destino navegante
Tateando o rumo do mar
Num pálido espelho que se esgueira
Entre areias, pedras e barrancos.
Agora, vou em vôo
Por sobre este rio que tanto amo
Pronunciável e perene rio de minha infância
Rio do poeta maior
Que tão bem o chamou
De: “velho monge”.
A aeronave, como em sabendo minha aflição
Segue em pesaroso vôo
O risco tatuado em terra
Do que foi tremendo aluvião
E em tudo, em tudo, o velho rio
Não é agora se quer a sombra do que era.
Em meio a cinza mortalha das queimadas
E terraços sem nenhum arbusto
O rio é como um cego que vaga à deriva
No exíguo limite de seu curso
Como meu Parnaíba, quantos rios terão que perecer
Para que o homem insano e cego
Possa, em cessando o leite dos seus cursos
Alimentar a sanha do próprio ego?
O que vejo agora nesse dolorido momento
É a crueza de um extermínio anunciado
Materializada na imagem de um rio engasgado
Na dor de um irmão apunhalado pelos seus
Que em matando a natureza
Vão matando também, um pouco de Deus.