Perdemo-nos
1.
Peso das mãos que
moldam o meu
corpo de argila
enquanto transito
e sei-me
transitório
abaixo das palmeiras
abaixo
da tarde:
profundo à História,
meu sorriso parco
2.
Soledade
é uma palavra
que pronuncio
muito
diante do espelho
que não me guarda
por inteiro,
exceto o momento
esvaído
do contexto
apodrecido:
um dia dois
morrera
enquanto
busquei
significado
nos homens
que negam
a necessidade
do próximo
3.
O orgulho é ainda
uma chaga obscura
na boca
aberta do corpo
4.
Caminho entre a escassez
da alegria
e este afastar
sem fronteiras
que nem
as estrelas
entendem
5.
Cortaram as mãos
das memórias numa ciranda
de baionetas
oxidadas;
e uma gota inundara
de culpa
toda
a minha alma
e manchara as roseiras
públicas
que o outono
decerto
há
de nos levar
6.
Minha culpa, minha prece,
minha fé,
minha escuridão,
minha busca,
meu Silêncio
7.
Esbarro-me num
trabalhador-terrestre:
acima de tudo,
meu
semelhante
– olhar exausto,
corpo exausto:
mãos de quem lutara
não para viver,
mas para
sobreviver
e no fim receber
um salário de fome
– que não basta
que nunca bastará
comparado
com o tempo
esvaído
8.
Meu irmão de pais
distintos, se ao menos
pudesse eu
lhe
presentear
com alguma
centelha
de esperança,
mas ainda
não descobri
o que
quero ser
amanhã
quando acordar
para o dia
igual
ainda não descobri
como me salvar
Peço-lhe perdão
por não
ter o dom
de aplacar
as nossas
dores
9.
Certeza de Virgílio
no meu íntimo
de lágrimas:
Sed fugit interea
fugit irreparabile
tempus
10.
Soledad, Madre,
Piedad;
Soledad, Padre,
Piedad;
Soledad, Jesucristo,
Piedad;
Soledad, Dios, Piedad:
horizonte distante,
desencanto
constante
*
*
Perdemo-nos,
perdemo-nos
há muito
*
*
*
A urgência da vida
nos roubara
a empatia
e a
companhia