Milágrimas
Anos se passaram quando o eco cessou nas muralhas,
Depois de uma chuva de navalhas,
O sombreado do nascer do sol veio,
Mas no meu âmago eu creio,
Que o Sol não é negro.
Raiou o dia e as labaredas eram o oposto do arco-íris,
E na minha íris se plantou,
Me mostrou,
O quanto eu estava em solidão.
Minha mão calejada pela esgrima,
Os cavalos a arrepiar a crina,
Tudo que eu pensava é: Me ensina,
Cria essa vontade de obra-prima.
Mas meu fogo foi tomado por frio,
Nesse calafrio,
Senti chover,
E a Ira a morrer.
Foi tanta a água que transbordou,
De pé enraizado,
Todo machucado,
Tão grande a amargura que o ódio se afogou.
Uma mão cadavérica tocou meu semblante,
Seu rosto descorado tão arrepiante,
O vento ártico que tocava meu rosto,
Havia me assustado com o susto imposto.
Estava olhando nos olhos rodopiantes da agonia,
Tão cheio de ironia,
Me mostrava os sete infernos das sete chamas,
Acompanhando eternamente entre camas.
Pútrido e amargurado,
A sombra do mal-amado,
Meu encosto,
A sombra do meu rosto.
Mas cravei firme a espada em seu pé,
“Quão cheio de morte tu é”
“Me faz querer matá-lo como Ré”,
“Não preciso brandir a espada,
Uso somente a fé”.
E rasguei meus joelhos nas pedras navalhadas,
Todas severamente afiadas,
Me envenenando com muito esmero,
Meu doloroso Pai severo.
Quando a chuva de sangue começou,
Meus olhos fechei,
O meu peito se esfriou,
E eu gritei ao Rei.
“De graça vos recebo seu servo,
Tão somente para me sentar perto,
Qual o preço do me incorreto,
Quanto temerei manter-me ereto?
És de tua vontade que sofra demasiado?
Qual é a cor do meu pecado?
Se és cerúleo, branco ou anil,
Quando me multiplicou para ser mil?
Milágrimas,
Mil lágrimas,
Milagre mas,
Me matas.
Se fosse por minhas transgressões,
Por culpa de não amar minhas gerações,
Pelo repúdio à minhas ações,
Pelas dores em vossos corações.
Me prostro a ti com tanta dor,
Com sentimento incolor,
Poderá meu coração resistir ao seu furor,
Se tudo que eu faço é por amor?
Sou filho ingrato e sei bem,
Não há o que faça que não vá além,
Para Ti sou Jó ou o Rei da Babilônia?
Agrado ao senhor com o cheiro da minha colônia?
Porque me postes a ira do sol de neblina,
Sobrepôs tua presença à colina,
Sou seu filho, sou dos seus,
Por que me mandaste o Veneno de Deus?
Nunca fui merecedor,
Mas não sou nenhum matador,
Me castigas pela minha personalidade,
Que me destrói toda a humanidade.
Tenho tantos espinhos como um mar de rosas,
Sou mais sujo que o rio Estige em suas costas,
Me faço querer ser superior,
Mesmo que seja com hercúlea dor.
Meu pai me transforma a cada momento,
Tira-me deste sentimento,
Não quero ser esse monstro ciumento,
Que se afoga por tão lento.
Restitui meu coração moço,
Tira dele este caroço,
Me apaga e faz esboço,
Reconheces o meu esforço.
Se tiver que me tirar a armadura,
Assim farei,
Se me tirar a brandura,
Assim me porei,
Se me tiras a coragem,
Assim temerei,
Me tiras a força,
Assim cairei,
Me tiras o amor,
Assim o amarei,
Eu sei.
Se não sou merecedor,
Chame logo teu Usurpador,
Se não sou digno da lavoura,
Parta-a em saraivada duradoura.
Se não mereço minha parceira,
Me tira com sua ceifadeira,
Mas não me permita viver,
Para com outro a ver.
Se assim decides quão impuro sou,
Suga o vento que Tu soprou,
Mostra as estrelas por qual motivo me cortou,
Finda tua vontade porque desamou.
Mas se não é de tua vontade que eu pereça,
Se não é de tua vontade que em desapareça,
Faça-me um caminho que não fácil seja,
Molda-me em sangue que eu mereça.
Nunca quis facilidade,
Nunca fui digno de vossa bondade,
Mas se for da sua vontade,
Me permite ter integridade.
Me permita honrar minha amada,
Mostre-me o sol de vida iluminada,
Pois eu já sei que eu sou nada,
Sou só obra inacabada.
Que venham hordas de inimigos,
Todos com rostos de amigos,
Farei encontro de sangue e terra,
Mas que sejas meu voto de Minerva.
Se não for de Tua vontade a minha morte,
Aponta com tuas estrelas o meu norte,
Seja eu Teu símbolo de sorte,
Que amarei a Ti com cada corte.
Terei gosto se meu algoz for o amor da minha vida,
Terei amor por cada ferida,
Terei alegria por cada mordida,
Serei grato por cada sinfonia.
Só peço uma coisa ao Senhor,
Que me tire tudo menos o amor,
Mesmo que em nenhuma cama encontre calor,
Até em que nenhum beijo encontre louvor.
Mesmo que vá a chorar a cada madrugada,
Que eu vá me entristecer com a alvorada,
Me castigas de forma inequívoca,
Quebra cada osso como uma víbora.
Só não me deixe ver ela com quem eu não seja,
Mesmo que no reflexo dos olhos dela não me veja,
Prefiro uma vida só,
Do que uma vida só”.
Quando vi, a solidão havia ido,
Mas seu frio não havia sumido,
O sol negro parava sobre meu coração,
Mas eu o quebrarei em adoração.
Transforme minha dor em testemunho,
Quero ser a espada em teu punho,
Se a escuridão acabar com a minha calma,
Quero que me mate em minh’alma.