Insuficiência
nunca se consegue ser exatamente alguma coisa
há sempre um desvio, lacuna, o inesperado
percebe-se o próprio desfazer no fluir do tempo
mutilado em estado natural
bate o rosto contra a janela do corpo
tenta trançar os fios da vida e do destino
apesar de tudo, tenta viver, apenas viver
para deparar-se sempre na própria insuficiência
na própria dependência
de obra deixada pela metade, quiçá ainda em rascunho
sem saber como reagir ao porvir
toma decisões sem querer tomar
caminha por onde não quer andar
já que ficar parado é pior escolha
tudo que fala é essencialmente leigo
percebe-se falho em cada passo
à intuição falta experiência
o limite abraça cada sentido
e, incapaz de interpretar o mundo
nem pode ao menos interpretar a si
sempre e sempre criança à deriva das coisas
percebe os apegos serem levados pela maré
os irmãos lhe parecem estranhos
o estranho pouco menos que nada
e o nada, este queria que ainda fosse
o que acreditava, por fim não era
e esse por fim nunca será um fim
de tanto reconstruir-se, não teve mais forma
se é que um dia a teve de nascença
viu-se tudo perder, e talvez não fosse perda
porque nunca tivera
e nem mesmo tivera a percepção verdadeira de ter
nesse cenário disforme e desalmado
buscou o leito como se fosse o último
e de fato era, pois fez com que fosse
e fora de si, ao estar dentro de si
teve a impressão de Ser por um instante
naqueles momentos de sonho
em que vê-se a si mesmo como algo de fato
fora daquilo chamado real...