Insuficiência

nunca se consegue ser exatamente alguma coisa

há sempre um desvio, lacuna, o inesperado

percebe-se o próprio desfazer no fluir do tempo

mutilado em estado natural

bate o rosto contra a janela do corpo

tenta trançar os fios da vida e do destino

apesar de tudo, tenta viver, apenas viver

para deparar-se sempre na própria insuficiência

na própria dependência

de obra deixada pela metade, quiçá ainda em rascunho

sem saber como reagir ao porvir

toma decisões sem querer tomar

caminha por onde não quer andar

já que ficar parado é pior escolha

tudo que fala é essencialmente leigo

percebe-se falho em cada passo

à intuição falta experiência

o limite abraça cada sentido

e, incapaz de interpretar o mundo

nem pode ao menos interpretar a si

sempre e sempre criança à deriva das coisas

percebe os apegos serem levados pela maré

os irmãos lhe parecem estranhos

o estranho pouco menos que nada

e o nada, este queria que ainda fosse

o que acreditava, por fim não era

e esse por fim nunca será um fim

de tanto reconstruir-se, não teve mais forma

se é que um dia a teve de nascença

viu-se tudo perder, e talvez não fosse perda

porque nunca tivera

e nem mesmo tivera a percepção verdadeira de ter

nesse cenário disforme e desalmado

buscou o leito como se fosse o último

e de fato era, pois fez com que fosse

e fora de si, ao estar dentro de si

teve a impressão de Ser por um instante

naqueles momentos de sonho

em que vê-se a si mesmo como algo de fato

fora daquilo chamado real...

Zéfiro Alves
Enviado por Zéfiro Alves em 06/03/2019
Código do texto: T6590974
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