VIDA PROVISÓRIA (Elegia para Doralice))

Havia um chorinho bem fraco,

como se nem quisesse sair

daquele ser pequenino,

daquele corpinho frágil,

tão magro

e tão cansado de tossir...

Havia também uma mulher (mãe)

que com a criança no colo

ainda conseguia dizer:

- Não chora Doralice.

- Não chora meu amorzinho, olha a tosse...

Doralice... a tosse... o choro....

e a mulher que insistia em dizer:

- Não chora minha filhinha...

- Não chora senão a tosse malvada vem

e tu vais sofrer...

- Escarra minha filhinha, isso vai te fazer bem...

como se com aquelas palavras

fosse possível estancar a doença

que já de há muito consumia a sua criança...

E a mãe continuava:

- Doralice olha as estrelas...

- Olha filhinha, olha a lua...

- Olha filhinha olha o céu...

- Doralice, cadê Papai do Céu?

E Doralice arfava...

Doralice tossia...

Doralice chorava...

Doralice gemia

ardendo em febre

no colo da sua mãe.

Doralice pequena, muito pequena, ‘inda nem três anos.

Doralice menina, tão menina,

de feições tristes e olhos já quase sem vida...

Doralice que deveria ter o viço da chegada

era agora tão somente apatia da partida...

A mão afagava aquele corpinho tão frágil

e dizia palavras ternas à sua criança

na ânsia de não deixar morrer

aquela tênue esperança de vida...

Doralice, tantos dias ainda te restariam

se pudesses escapar das correntes desse mal

que te arrastam para as incógnitas planícies

onde a inércia e o silêncio possuem os seus reinos.

Ah! se pudesses escapar desses momentos difíceis...

Doralice! ora é noite e é escuro

mas amanhã haverá luz,

segura as cordas da vida e fica.

Fica, a vida não te seduz?

Havia um chorinho bem fraco,

que já nem conseguia sair

daquele corpinho tão frágil,

daquele ser pequenino,

tão magro

e tão cansado de existir...

Doralice e a febre alta,

os seus olhos, já quase sem vida

e sem o viço da chegada,

estavam repletos da apatia da partida.

Desesperada,

a mãe mostrava-lhe as estrelas,

as luzes,

o céu,

os carros,

os transeuntes

e tudo em torno...

Então,

ali mesmo no banco da praça,

Doralice fechou os olhos

que ainda não tinham três anos

e, após um suspiro profundo,

tossindo pela última vez

escarrou nos braços da mãe

a sua vida provisória

e partiu deste mundo...

(Para uma crinaça que morreu nos braços da mãe

a espera de atendimento médico)

Belém, 12 de janeiro de 1982