Que A Morte Se Apresse
Olho o meu reflexo no espelho com um desprezo tangível
Mas sua forma maldita se derrama em meus olhos
E dou importância novamente a mim, não ao meu bem-estar – que desconheço
Mas a minha dor que desperta das lembranças enterradas em minha mágoa mais aguda
E eu que já me comportava como um cadáver, ressuscito-me para morrer um pouco mais de amor
Desde que mudastes de plano anseio a morte como um presente doce do destino
Mas minhas horas se arrastam na tristeza de esperar o nosso reencontro
Há dez anos em cada dia e três séculos em cada mês
Desde que abandonastes a sua forma terrena, tudo em mim é só lágrima e náusea
E eu que jurei nunca mais beijar ninguém, procuro a boca da escuridão para o beijo que me leve a eternidade
Se ao menos antes de partir me avisastes para onde iriam os teus olhos além dos meus
Se ao menos eu não fosse um covarde e me lançasse da ponte ao teu encontro
Eu não passaria os dias como as fezes de um cão no meio de um passeio público
Que as pessoas não querem limpar, mas que desviam para não sujar as solas dos sapatos
Procuro em Deus uma resposta que me conforte e a promessa do nosso reencontro
Mas talvez Deus só responda em aramaico ou não responda em língua nenhuma
Agito-me então com a revolta de ter sido abandonado nesse mundo gigantesco, nessa galáxia incompreendida e injusta, nesse Universo que me criou de anedota, nesse imensurável tudo que me define como nada
(Meu coração é um corredor de um cemitério lotado, onde os jazigos se misturam deixando os parentes sem saber em qual túmulo chorar)
Depois de reviver tudo isso, saio-me do espelho, termino a garrafa de “não sei o quê”, e pouco importa, de fortíssimo teor alcoólico
E deito-me de maneira inevitável para enfrentar o meu reflexo no espelho novamente amanhã, e te encarar nos meus olhos, e chorar de saudade, e culpar Deus, e planejar meu suicídio, e me embriagar outra vez...