Poema Triste
As folhas amontoam-se no meu quintal,
As paredes escamam a velha tinta.
Há também um vaso cheio de flores falecidas,
Eram lindas, como eram lindas, ganhei-as de um desafeto.
Eu me tornei objeto de adorno,
Moro na sala, entre o tapete gasto e a televisão caída.
Devo estar aqui há uns vinte e poucos anos,
Pelo menos na percepção de quem não se move, nem respira.
Sinto falta dos latidos do meu cachorro, do barulho da rua,
Das brigas do meu vizinho e sua mulher.
Do homem me chamando para fazer a leitura da luz, da água,
Do meu fingimento em não estar em casa.
Da sala vejo a cozinha imunda,
Ela ainda alimenta alguns animais, roedores talvez.
As panelas caídas sintetizam de maneira simplista o meu abandono,
Ando meio sem forças, ou melhor, nem ando.
No meu quarto há dois cadáveres,
Um é o meu e o outro é o que eu pensei ser meu.
De vida só a casa, mas ferida não durará um mês.
E essa escuridão que não chega,
Está atrasada quase uma hora.
Sem ela não posso ir embora,
Anda logo, para de me fazer sofrer.
Deixei uma carta lá na escrivaninha,
Lê com cuidado, só tem coisa minha.
Cortei nossas fotos, te deixei sozinha,
Não quero lamento a não ser essas linhas.