Modorra

Irmão, quebre esses seus dedos inúteis

Enquanto soca as secas paredes em pranto,

Nestas noites de neblina e consternações

Você ouvirá sua doce irmã dizer

"Os seus olhos são grandes,

Os seus olhos são fortes,

Mas eles nunca irão alcançar

As luzes de uma nova alvorada"

E de dentro de seu quarto alugado

A rádio só alimenta essa ácida amargura

Tocando Baby Blue por entre as roucas estáticas

Este ano não será muito melhor

Pai, devolva as minhas sobras de esperança

Que você tão bem escondeu em sua caixa de sapatos

Quando a chuva lavar essa montanha de mágoa

Você estará em sua varanda de novo

Com seu habitual cigarro de palha

Fumando sua vida solitária

Enquanto os pirilampos

Fazem sua última dança

E você irá encontrar alguém que possa culpar

E você irá se encontrar com seu Deus de novo

Nas sombras da antiga e caquética limeira

Mãe, não reze mais por minha salvação

Eu estava morto antes mesmo de ser concebido

A noite quando choras em silêncio

Eu destruo mais um décimo de vida

É um século vazio, preenchido com opulência

Eu não estou mais vivo hoje do que semana passada

Então não perca seus últimos anos

Com alguém que só te machucou

Algum dia, você irá voar de novo

Algum dia, você será feliz de novo

Algum dia talvez você ame de novo

Apenas deixe-me dormir, um ano ou dois.

*Modorra: Desejo irresistível de dormir, ainda que não provocado por doença.