ESSES DIAS (UM POEMA TRISTE)
O dia hoje é um poema triste.
Ontem foi um poema triste.
Tristes, sentamos à mesa
e, de canetas sangrando, escrevemos:
chove mais dentro de nós
que na rua.
Caminhamos lado a lado,
uma solidão acompanha outra.
Meu Deus, o que é dos homens?
Por que tanta desfaçatez?
Os falsos amigos do morto
clamam uma falsa justiça.
Eles matam a tantos
e clamam justiça.
Mentirosos.
Não se importam com a dor
de quem perdeu o eixo da vida.
Fotografam, perguntam, atiçam, acusam
e expõem.
Constroem um museu de sangue
e lágrimas.
E a dor de quem perdeu?
Não há como dividir com outrem.
É única.
Mas o repórter pergunta:
quem perdeste?
A quem acusas?
E fotografa e filma e grava o som
da dor alheia.
Homens tolos acreditam
que uma imagem vale
mais que mil palavras.
E reiteram a imagem
e a multiplicam:
milhões de palavras soltas,
quem poderá entendê-las?
A dor, a grande dor
explode em grito:
mas na alma ela queima,
vulcão subterrâneo.