Identidade
Olho no espelho
E vejo refletidas,
As marcas da idade.
Foi-se o tempo,
Foi-se a vaidade
Restam os traços
De um pássaro caído.
Marcas negras
Abertas com faca, uma a uma.
A pele já não tem mais viço
Como outrora.
Os músculos rijos
Impedem o movimento.
A morte apresenta-se
Como refúgio.
Um jazigo para descansar
O corpo cansado da labuta.
Eis o último desejo:
- que o sangue se coagule em minhas artérias, ao juntar-se com a pólvora exploda e se transforme em milhares de partículas insignificantes.
- que o corpo não responda aos comandos do cérebro podre, onde a massa cinzenta evapora e se dissipa no ar.
- que ao escarrar os restos do cigarro preso em meu pulmão negro, seja dado o último suspiro.
Não, não posso vê-la.
Não são escuras suas vestes,
Não é amargo o seu gosto.
Não traz consigo dores
Não machuca a pele
Não fecha-me os olhos.
É tão doce que acalma
Alva como a lua no céu.
Tem aromas frescos de flores
E beija-me como apaixonado.
Um corpo frio
Num leito azul.
Tão sereno,
Sua face resplandece em luz.
E por dentro necrófagos
Se alimentam da alma.
Alma que não mais existe.
O que a roubou não foram os anos.
Foi o sonho de vivê-los.