Linhas do meu tear - IV
Perdi meu pai aos 15 anos de idade. Dez anos depois, a minha mãe.
Órfã, desde então.
Tenho mais de vida órfã que de vida filial
E qual a diferença? Não sei. Depende do pai, da mãe e do filho,
No meu caso, tenho um buraco no lugar de pai
e um vazio que não se esvai no lugar de mãe
E tenho silêncios que falam comigo.
Hoje, quase ia me esquecendo que faz anos a morte do pai
e que faz anos que sua morte se deu.
E o que isso significa? Nada, creio.
Buraco não faz anos, faz-se com os anos.
Quinze anos não geram grandes lembranças
Muitas, sim, incidentais, onde ele e eu lá estivemos
no mesmo contexto, na mesma cena,
Mas, dele e eu, só nós dois, poucas.
Descontando os anos absortos da minha infância
Descontando os anos absortos da sua velhice
O que sobraria? Quase nada.
Se ele tivesse me abraçado muitas vezes
Haveria muitos abraços e poucos buracos
Esta conjectura, sim, arranca-me lágrimas
Mas estivemos muito absortos
Eu, comigo, ele, com ele
Estranhos entrelaços de semente e fruto, sem chuva
E esta falta não se chora. Sente-se, a seco.
Às vezes sonho que converso com ele
Eu, adulta, e ele, congelado no tempo
Somos quase contemporâneos, já.
Pergunto-lhe coisas, peço-lhe conselhos
E ele me responde como responderia
À adolescente que fui. Eu cresci e ele não viu.
Às vezes, por bem pouco, um colo não acontece
Ah! Se colo houvesse na memória das minhas retinas!
Um que fosse, e o invocaria em cada sonho
E seria a nossa despedida, até o próximo
Mas, ao final de cada um, estranhamente,
ele me culpa e eu o culpo
do que não tivemos tempo de ter
Então, acordo. Porque sempre se acorda.
É a vida, enquanto a tenho,
me chamando pra viver,
aos trancos e barrancos e este buraco
A seco, fazendo anos. E espelhos.
Tenho sido muito ele, ou o que eu achava que ele queria
que eu fosse.
Talvez este buraco no peito seja apenas o medo,
Imenso, de não conseguir adivinhar
tudo o que ele não teve tempo de me ensinar.
28.06.16