MINHA ANGÚSTIA

Não se iludam. Eu não sou o que vêem. Minha imagem é a caricatura do que sou.

Sou um vazio repleto de conteúdos incompreensíveis, uma canção dissonante em suas harmonias.

Ao mundo sou centelha de suposta sapiência. A mim, a insignificância de uma contida loucura.

Elogios não pagam intermináveis noites de insônia; gestos amenos não amenizam a dor de não me aceitar.

Porque não me vejo no que dizem, mas na horrenda feiura que avisto no silêncio dos meus olhares.

Que me importam as tantas letras? Ninguém traduz o que digo, pois só falo de mim pra mim.

Que valor adquirem os acúmulos literários se me apego ao olhar obscuro da felicidade que ignoro?

O gigantismo a mim atribuído é menosprezado por essa ótica interior que me reduz a ínfimas constatações.

Sou o flagelo de meus poderes, o que tenho a mais fez de mim o menor dos desprezíveis.

Porque não acho ao meu redor lugar cômodo a essas minhas tensões atípicas e aborreço a pretensa genialidade que me expulsa de mim mesmo.

Queria alcançar os ideais que se acham por baixo do meu olhar. Queria equiparar meus horizontes à média vivenciada.

Sou a utopia da realidade, ninguém toca minhas notas e minha luz é cabível tão somente às minhas sombras.

Meus encantos são tolos demais ao meu olhar, meu semblante guerreia com a certeza de que sou a diferença dentre todas as semelhanças.

Sou a fuga da estética, a filosofia da contramão e o discurso sem platéia.

Porque sou tão insuportável a mim mesmo que só me permito a companhia de minha própria solidão!

Por que não me permite a vida simplesmente viver? Por que me ocorrem os assédios das idéias elevadas?

Quisera sangrar todas essas audácias mentais e me refugiar à tímida composição de um ser sem voz a si mesmo.

Sou o olhar que transpõe as imagens que me impõem, sou a última curva da falsa retidão dessa estrada moral.

Sou o carrasco que tortura mortalmente o prisioneiro de uma liberdade rejeitada pelos grilhões.

Porque ninguém me viu nascer e até hoje sou filho bastardo de um mundo que jamais conheci.

Lá vão as multidões, mas eu não vou. Lá se dão as poluídas sonoridades coletivas, mas minha voz não se ouve.

Sou habitante do meu silêncio, morador eterno da clausura imposta pelos temores de mim mesmo.

Ninguém jamais verá beleza em mim, ninguém suportará os brados de minha alma, porque são falsas a todos as verdades que me consomem.

Ninguém me amará como amo, ninguém abraçará minhas carências, porque sou a imagem física que repele o clamor do encanto que busco.

Sou a angústia de quem se perdeu nos seus achados e missionário dos alvos pelos quais jamais desistirei:

Porque somente eu me posso entender e porque jamais me perdoarei por isso!

Portanto não se iludam. Carrego meu sorriso qual refém da angústia dominante.

Lá fora segue o mundo. Guerras dignas e indignas, vícios a que todos se permitem.

Qual formiga rumo à cova segue feliz meu semelhante, que persiste involuntário a me alienar de si.

Açoitem-me senhores provérbios, me castiguem sentenças sarcásticas, me espanquem indiferenças aviltantes.

Porque o mundo segue, enquanto eu só prefiro a luz da minha angústia e a escuridão de meu quarto.

Reinaldo Ribeiro
Enviado por Reinaldo Ribeiro em 11/07/2007
Reeditado em 29/12/2011
Código do texto: T560840
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