Arauto
Não descerre minha capa,
não folheie minhas páginas,
inscritas em mim só existem dores,
meus signos são tatuagens de abandono,
meus hieroglifos perdem-se no papiro,
não há arte rupestre à descobrir em minha caverna,
vivo só, na ausência de tudo que me foi caro um dia,
vivo na morte de meus sonhos e esperanças,
esmurrando as paredes de vidro blindado,
sou tristeza em estado líquido,
sou demência cristalizada em estalactites,
sou o som do silêncio gritando no inferno,
queimando sob gelo, congelando na lava incandescente,
não há caminhos que me tragam a salvação,
tudo que me resta é observar o tempo,
escrevendo linhas indígnas de corações sonhadores,
por isso não gaste seu tempo com minha melancolia,
sou o arauto de tempos ruins e infindáveis,
não tenho para onde ir e sequer sei de onde vim,
apenas vejo a ampulheta deixar cair os grãos de areia,
deserto de sentimentos que me corrói a alma,
sem novas tentativas, sem segundas chances,
só reside em mim a tragédia de dias passados,
cárcere de um espírito em eterna condenação,
um anjo caído de asas amputadas por suas escolhas,
por ser menos humano, por ser mais diabólico,
estando há tantas milhas de qualquer divindade,
sem perdões, sem purgatórios, sem orações,
mantendo distante qualquer um que queira se arriscar...