o número do perdão
Era 929
atrás daquele número frio, metálico sobre a porta
negra de jacarandá
onde não jazia nenhuma alma humana,
nenhum olhar familiar
nenhum traço em comum
só mesmo alguns detalhes estéticos
perdidos num biotipo patético
denunciavam nosso parentesco
e eu, aqui em frente a esta porta
inexoravelmente fechada
parecia bem remoto qualquer afeto ou atenção
e ao mesmo tempo eu sabia:
- agora é tarde !
muito tarde para um coração tosco
se encontrar com alguma emoção...
A mesma emoção
que faltou ao encontro marcado
que errou de veia, enfartou na transversal paralela de Tales de Mileto
a negativa do amor
dói menos
que a própria ausência do amor,
dói menos que a indiferença,
eu era um cristal transparente e invisível
e você um ser completamente inatingível
inundado de repugnância e vaidades
voCê, em verdade só existia mesmo
em minha pobre imaginação reclusa
que recusava-se a ignorar-lhe
Então eu te fazia de bom
embora até fosses perverso,
te fazia belo e especial
embora identificasse que eras
feio e vulgar,
te fazia um príncipe,
um deus grego, um asteróide,
embora fosses apenas mais um dentro da tola
humanidade
e que se recusava freqüentementa a ser realmente
humano
Então, ao amar você
era como se eu amasse uma pedra inexpressível,
imota e irremdiavelmente mineral
e talvez só servisse de moldura
para alguma vida rastejante por ali renitente
ao amar você
atrás de uma porta negra
assim incógnita e de forma tão clandestina
meu amor era puro, espectro sacro
de uma luz alva e clara
onde não havia nenhuma jaça
nem máculas, nem nódoas
Éramos enfim perfeitas paralelas
sem nenhum infinito
para se encontrarem
me despedi da porta,
mirei bem as curvas reluzentes do número
e ao partir
revelei em segredo
perdão à sua iniqüidade.
Nem você tinha culpa do abismo
que se cosntruiu entre nós...