Surtou
Bastou! Deixou de ficar acomodando os ouvidos, visão, e fala
Resolveu olhar de frente, para aquilo que não disfarça,
Pobreza, flagelo, mendicância, e abandono
Violência...violência...Há! essa tal violência
Varreu para debaixo do tapete a sujeira que não queria ver
Jogou fora o que machucava por dentro
Ignorou olhar para o lado
O odor continuou
Não suportou, encarou a dura realidade, das crianças sem afeto
Do velho exposto à solidão, sem o abraço do filho que não veio
Das vozes silenciosas das mulheres desprezadas
Violentadas, reprimidas
O ai, que nunca cala, do pai do infrator
Das mãos na carne viva do trabalhador, do labor
Pão quando ganho, há muito embolorado
Deixando muito a realizar
Amargou como fel a boca, da saliva da raiva, do ódio, da ira
De não poder nada fazer, compor, acalmar
De não sair daqui, agora, para sempre
De ter que ficar... até quando?
Olhar para cá e não desistir por puro patriotismo
Com aqueles que estão, cegos ou não
Neste mundo da escuridão
Dispostos a seguir, rumo sabe lá onde
Não quer consolo, para quê?
Acordá-lo-ão amanhã, rechearão seu dia com a sofreguidão
De ter que ser, viver, viver, VIVERRRR
Ver, aquilo, isto, aquele outro, ali
Quer um cantinho junto a aranha no paço do rei
Ou na toca com os coelhos na rocha
Aceita até mesmo ficar entre as galinhas da Dona Maria no quintal
Desde que não seja aqui
Sabe ser impossível, por isso ousou estar com eles
Sabe que viver como eremita, seu espírito não aceita
Busca o calor dos iguais, mesmo que para surtar, implorar aos céus
Ficando a espera na soleira da porta que leva ao Incriado
Não adianta continuar dando ouvido à voz que não cala
Não será socorrido, o velho mundo e sua parafernália
Tudo e nada, a confusão intestina do homem na eternidade
E o dia indo, outro chegando, dia indo, outro chegando, dia indo...