Homens horríveis.

Vejo em minha frente o significado da crueldade,

vejo em minha própria carne aquilo que restou de mim.

Sinto na pele aquilo que a tempos não sentia

e analiso às vezes, para ver aquilo que me restou.

Restou-me apenas um pedaço de coração estilhaçado,

meia-dúzia de um eu te avisei que eu não queria ouvir,

restou-me um corpo exaurido de tanto tentar

e olhos inchados e já cansados de chorar.

E escuto, no escuro, os roncos que me machucam aos poucos

porque só o que eu queria é que fossem carinhos.

Mas como não são, gostaria de correr,

correr pra que jamais me alcancem.

Faz-me parecer que de quem realmente sou não restou nada.

Que aquilo que eu sinto já não importa mais.

Que a vida que jurei devotar foi jogada no lixo,

e que vai valer menos mesmo que o corpo de uma pobre mulher enterrada hoje.

E essa vida que já não vale mais,

antes, mas bem antes, antes de lhe ser roubada de si,

era uma vida tão gostosa e sincera,

era uma vida tão cheia de esperança e orgulhava-me tanto

que foi a única luta que tive, até meu último segundo antes de morrer.

Naquela cama. Sozinha. Entregue. Destruída. Ouvindo os gemidos cruéis daquele homem horrível.

Mas depois da minha morte,

uma morte mais doída que a própria morte da defunta de hoje,

a quase inocência roubada mudou, e como mudou.

Viu-se o mínimo de esperança

pra que tudo aquilo fosse esquecido.

Mas parece que essa esperança quer ir embora também.

E dessa vez, igual cera quente,

tentando arrancar o mais rápido possível

pra que a dor seja menor.

E quem sabe em mais uma cama. Com mais um homem horrível. Mais desconhecido e menos sádico que o primeiro.

Mas dessa vez não escutam-se gemidos de um prazer doloroso e crudelíssimo,

os gemidos dessa vez são de meus prantos sem o menor som,

agonizantes,

já sem a menor força pra lutar.

Onde o único desejo da vida era que tudo fosse como antes.

E que o mesmo homem que um dia foi o mais interessante dos homens,

encontrasse nessa alma a paz interior,

e tomasse cuidado, porque cada palavra mal dita é mais suportável que o silêncio.

E maltrata, mas ironicamente não faz nada,

mas dói, e dói muito,

e crava, machucando o tal peito vagabundo

e faz sangrar até morrer.

E os roncos ficam cada vez mais altos.

Incessantes.

Horríveis.

E que não dão a mínima pra saber se a vida que ele jurou mudar

ao menos respira e consegue segurar mais uma vez a dor.

Dor esta que dessa vez ele mesmo causou.

Pobre criatura sofrida.

Sonhando com sorrisos.

Esperando por amor correspondido.

Ansiando por gemidos.

Mas que dessa vez, sejam de prazer de verdade.

Com o homem que ela ama e escolheu viver.

Mas que cessem os roncos.