O choro de mil cordeiros
O suave chiado lá fora, no chão,
Fruto de garoa fria, suave, esquecida,
Chama minha atenção, e a ela estendo a mão
E o frio de vosso choro é em minha mão sentida.
Saio de casa sem casaco, sem chapéu, sem guarda chuva,
Sentindo o respingar constante e frio me preenchendo,
E as forças vão se esvaindo enquanto cruzo a realidade turva
Em que os monstros regurgitam os berros de cordeiros sofrendo.
Se usaram de mentiras para educar-nos em passividade
E tantos bons morrem mártires esquecidos e enlameados.
Nos consolamos com a ideia de que a boa ação atrai bondade,
Mas a paz, o amor e o carinho deixam os carniceiros alimentados.
E eles rirão, longa e ironicamente,
Quando em medo e receio, você pedir por piedade.
E quem te ama quebrará sua alma, corpo e mente,
Pois não haverá paz enquanto houver humanidade.
Hoje sou um cordeiro.
E quem fora meu anjo hoje é meu carcereiro.
E quem me jurou amor me deixa flutuando em anseio,
E hoje chupo a aflição em seu seio.
Entre mil outros inocentes que choram,
Minhas gotas na garoa em nada diferirão,
Mas são minhas, e eu vejo como no chão estouram
Num som surdo e indigno de atenção.
Meu amor, te pedi misericórdia,
Plantei boas sementes e recebi frutos envermeados.
Plantei paz e carinho, mas recebi ódio e discórdia,
E meu lamento não será notado sobre os outros condenados.
E por mais que eu te ofereça noites de carinho e de amor,
E prometa que sua felicidade é aquilo que me conduz,
Após tantos vômitos em minha face, tive que perceber:
Não há espaço na terra para aqueles que traçam o caminho da luz.
E para quem mais pedirei misericórdia
Quando meu anjo da guarda me açoita e sibila em rodeios?
Apenas para a lâmina que em minha frente reside
E meu sangue se une ao choro de mil cordeiros.