A fome
Cheira bonito e soa uma mordida na maçã,
Leve, a visão desse ato alimenta os olhos
De quem está no deserto da comida sã,
Aquela que alimenta e não só não olhos...
Numa cidade nervosa, o ar canalha passa
Pelos canos de descarga e voa aos narizes,
As vozes urbanas e as pessoas passam,
Mas há uma miséria eterna em tons e matizes...
À noite o brilho da lua sobre os corpos nus
De mulheres que o dinheiro não perdoa,
E a crueldade do amor mundano nos dá urros,
Fazendo estremecer o Céu, a Terra e o Inferno...
Os anjinhos, à cara tapa, nas esquinas,
Atos vagabundos e eróticos de monstros,
Os demônios vencendo os anjos e as meninas
Sendo amadas pelos tarados e outros...
O trabalho, as roupas, os pratos e talheres,
A faxina e as mãos calosas e suadas
Das empregadas da vida cujos afazeres
Restringem-se quase à escravidão, coitadas...
Nas caladas da noite as pessoas calam,
Como o cálice de Jesus que lhe bebeu ao morrer,
Mas há canalhas que tardam
A calar e varam as madrugadas a fazer
O que nos pedem as canções dos querubins:
Cantar as mazelas do cotidiano...
E nos lixões, bichos e homens se alimentam,
Competem pelo alimento já podre,
Mostrando presentes políticos
De amor e carinho com que Deus os alimenta,
Não por odiá-los ou por serem pobres,
Mas pelo estômago que não aguenta, riem ricos,
Mas os pobres choram e chora a poesia,
Cantando e pensando com seus borbotões...
A maldade dos ricos e a miséria dos pobres
Cobre a noite de gemidos frios e ousados,
Mas os homens buscam o alimento hoje,
Mas alguns comem em tempos retardados...
E o poema chora, grita a miséria,
A falta de amor dos que têm pelos que não têm,
Mostrando que os homens sofrem o que impera:
As desigualdades que todos sentem...
Há esperança e amor nessa hora?
A dor e o tormento se vão em lamentos?
O julgo dos ricos sobre os pobres cala...
Senhor, por que não manda teus anjos agora
Alimentarem os que necessitam de alimentos,
Desce dos Céus e com tais sofrimentos acaba...