LUTO
Escrevi uns versos
e os guardei na gaveta mais baixa da escrivaninha.
Passei a chave por cautela,
mais para que eles não saíssem
do que para evitar que os lessem.
Guardei na gaveta
para que amadurecessem
e pegassem um gosto mais doce,
de fruta pronta.
Embrulhei tudo em jornal,
como quem prepara
maracujá-de-gaveta.
Enrolei e abafei a papelada,
aguardando o dia de experimentá-los
como sobremesa de alguma conversa
ou de uma missa de domingo.
Lá ficaram sem reclamar
nenhuma fresta de luz,
até o dia em que
o cheiro podre escapou
pelos cantos da gaveta.
Tanto guardei,
tanto escondi,
que se perderam
os versos verdes que fiz.
Sua hora chegou
e nem reparei,
ocupado que estava
com coisas outras.
Guardei os versos que se perderam
e agora os entrego, solene, ao lixo,
não lidos, não mostrados,
azedos já.
Todo funeral é demais triste.
Não sabemos por quanto tempo ficará,
na memória ou no coração,
a lembrança do defunto.
Assim foi com meus versos podres.
Atirei fora um a um,
sem saber se daquela árvore
poderei mais uma vez
colher do mesmo fruto.
Durou muito meu luto.