Cansada, constato
Cansada
De não ser verdade
De não ser mentira
De não ser carinho, nem toque
De não ser sequer raiva, ou ira
De não ser nada, nada, nada,
de amarfanhar o beijo na boca do sonho
adormecido na dança de pássaros mudos,
silenciados;
De pássaros entorpecidos neste frio absurdo
do Maio das horas a passar constante
em vértebras sugadas até à medula,
p’los carniceiros abutres…
escoam-se
nos vitrais bolorentos do desejo,
os sentidos, os afectos tresmalhados,
na detença, na tibieza do fim dum chão
lamacento. Deste onde, dia após dia,
hora a hora, em que me sento e jazo defunta
no cimo de um planalto
e renasço na fantasia obliquada
em claridade cortada por grilhões.
Grades, arames, linhas, fracas de finas,
pontilhadas no abstracto de um céu azul-cobalto.
Cansada
de ser apenas poemas de refúgios derrotados,
letras avultadas de fados com girassóis costurados
nos olhos de musgentos de mim menina,
escoam-se os sentimentos decrépitos
em formulários meticulosamente preenchidos,
na sentina repartição,
letra a letra, certinha, em maiúsculas,
como se impõe na nota minúscula de um rodapé:
“- Nome, sexo, idade, país, morada, localidade…”
enfim…
Cansada, constato:
- Ninguém pergunta por afectos!
Afinal, não se legislam por diplomas, decretos …