Madrugaram-se-me os olhos no vazio
Madrugaram-me os meus olhos no vazio
dos teus, permanentemente distantes.
Madrugaram-me os olhos doloridos
num nórdico e salgado rio de alabastro.
Impera a indiferença, na nebulosa ousadia
de ousar solitária, insulada travessia.
Madrugaram-se-me os olhos, amado,
no rastro de um fundo escorrido de lastro.
Mutilo o frio, abocanho a alma, sem sentido,
na ferida chama morna, na mágoa acicatada,
que te chama, me consome e me devora
a toda a hora fragmentada p'lo zumbido.
Ventos agulhados, povoados de memória,
numa jangada de pedra, sem lemos derivada.
Que venha a noite, breve e concisa.
Que venha já, urgente, omissa e silenciada.
Que me tome escalavrada, derradeira, inteira.
Que me possua ousada na bonança
doentia de cada libertina alvorada.
Que venha a noite perpetuada madrugar
no verde musguento deste olhar.
Que os vermes me tomem por pasto,
por alimento, no mistério da vida renovada.
E que nesse instante momento sinta,
por fim, doce alento da carícia de um só beijo
da tua boca, sobre a minha boca gelada.
E que se faça em mim mar inteiro no ventre
da madrugada.