Madrugaram-se-me os olhos no vazio

Madrugaram-me os meus olhos no vazio

dos teus, permanentemente distantes.

Madrugaram-me os olhos doloridos

num nórdico e salgado rio de alabastro.

Impera a indiferença, na nebulosa ousadia

de ousar solitária, insulada travessia.

Madrugaram-se-me os olhos, amado,

no rastro de um fundo escorrido de lastro.

Mutilo o frio, abocanho a alma, sem sentido,

na ferida chama morna, na mágoa acicatada,

que te chama, me consome e me devora

a toda a hora fragmentada p'lo zumbido.

Ventos agulhados, povoados de memória,

numa jangada de pedra, sem lemos derivada.

Que venha a noite, breve e concisa.

Que venha já, urgente, omissa e silenciada.

Que me tome escalavrada, derradeira, inteira.

Que me possua ousada na bonança

doentia de cada libertina alvorada.

Que venha a noite perpetuada madrugar

no verde musguento deste olhar.

Que os vermes me tomem por pasto,

por alimento, no mistério da vida renovada.

E que nesse instante momento sinta,

por fim, doce alento da carícia de um só beijo

da tua boca, sobre a minha boca gelada.

E que se faça em mim mar inteiro no ventre

da madrugada.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 04/05/2007
Código do texto: T474219
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