Traços de mim

E que horrível uma folha em branco

E suas agruras imaculadas

Solidão, silêncios, emudeço-me

Em respeito ao que virá colorir meus papeis

Esperançoso, ansioso, invejo aos pintores

E me sinto só, rabisco, apago, rezo

Chegam meus pedidos, não sei bem de onde

Vieram de longe, nas asas de um anjo gauche

Que trouxe penas e flechas, amores, desejos

Pecados da caixa de Pandora, tons cinza e negros

E agora o que era vazio foi sendo preenchido

O que antes era míngua, negritude, pinto meus punhos

Escrevendo a história que recebi, chamei-a de inspiração

Tive nojo, cuspi no papel, fiquei orgulhoso, obra de inveja

Lágrimas, agora saliva e um pouco de veneno, perdição

Mas, fico feliz, papel preenchido, alma lavada, mente nua

Oh vaidade, atraíste os aplausos, que maldade

És canto de sereia, me fascinas, dominas, tornaste-te

Meu motivo de vida, esqueci-me dos amigos,

Família, eu próprio, sou só elogios a mim

E quando a fama se afasta, o papel se rasga,

Os lápis se apagam, a realidade renasce,

A verdade cai, vem de novo o anjo torto

E suas bolsas, me trazem folhas em branco a colorir

Se antes eu era dono do mundo, tinha apenas duas mãos

Um lápis a apontar e todos os problemas do mundo

Agora tenho páginas a colorir, vidas a contar, eu

Para cuidar, peço desculpas, piso em percalços de mim

E tento achar sentido nas espirais, apago linhas tortas

Escrevo a torto e a direita, histórias melancólicas

Sinto nojo do que me tornei, conto causos que nunca vi

As histórias mais tristes que fiz, estão no papel, linhas de verdade...

Autobiografias de mim

Gabriel Amorim 18-03-2014