RETORNO A GOIÁS
Cora,
somente hoje te entendo.
Distante da minha terra
lembro de Goiás
e se torna urgente
aquela vontade de sentar na praça,
à sombra pequena do coreto
e tomar sorvete de jabuticaba.
Saudade dos casarões e dos becos,
do cheiro de açúcar que saía
pelas janelas das doceiras velhas,
das pedras das calçadas,
dos grilhões que ficaram
presos na memória dos parentes negros.
Essa saudade vem tão arrastada,
devagar como a água do Rio Vermelho,
molhando pedra a pedra no caminho.
Não. A casa velha da ponte não me acolheu.
Morei distante das enchentes do rio,
na parte alta da cidade:
Ernestina, 26.
Cheguei em Goiás muito tempo depois de Cora,
mas a tempo de colher bolo de arroz
nas casinhas espremidas dos becos,
casas de amigos longevos.
Tudo cheirava a velho,
tudo cheirava a mofo,
tudo era história
e não havia uma só pedra,
não havia um só poste
que não tivesse algo importante a contar.
Ali morou Ana, menina feia,
Ali o Palácio de onde governou Olegário Herculano da Silveira Pinto,
Ali nasceu um Jubé, ali um Jardim, ali um Caiado,
Ali sentou e escreveu Leo Lynce,
À sua direita o cárcere, onde foi preso... um escravo.
Escravo sem nome, escravo de pai desaparecido,
Escravo sem ouro, mas de bateia na mão.
Goiás, um dia voltarei
para suas pedras e areias inférteis,
para rever o sol inclemente da Serra Dourada,
para morrer sozinho, em terra amiga.
Goiás, minha cidade.