Sobretudo a pedra, sobretudo a noite

Sobretudo a pedra, sobretudo a noite.

Por debaixo, o casaco aberto, assertoado sem botões.

Uma camisa de vento virada do avesso, nervurada,

rota nos cotovelos. Em novelos, punhos cerrados.

Sapatos sem solas empedram sangrentas gretas dos pés.

Agasalhados em meias grossas de fiapos.

Gastos. Os pés!

Experimento a jornada através do negrume da estrada.

Impera o frio, gelado, branco. Brando! Avanço.

Levanto as golas esguias das madrugadas.

Agasalho a voz dionisíaca que louca, canta

muda por dentro da garganta colada.

Baça, uma ave esvoaça.

Ofusca rosáceos areais, varandins de espuma.

Ao largo, caravelas sem mastros e no convés

morcegos retidos, empoleiram-se em candeias sem luz.

Bruxas voluteiam em altos altares de vagas.

Soerguem-se luzeiros cativos. Sinto o calafrio.

Fantasma ou gente, vagueio na periferia do inconsciente.

Semente, a palavra lavra a lava plana,

irrompe do verde da terra amortalhada.

A terra tremeu ontem...

(Quem sou eu? Não sei mais nada...)

Flutuou pedra no dealbar da manhã aqui na orla da praia,

reboou em som de deuses com caras de sapos.

Vindos da Planície da Sidónia. Explodiram-se

planetas, retalhados por samurais, nos sentidos despidos.

Nos espartilhos.

Nos sobretudos (des) assertoados.

Sobretudo a pedra. Sobretudo a noite.

(Lá fora o vento sopra... sopra. Sinto-lhe o açoite!)

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 19/04/2007
Código do texto: T455297
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