Basta!

Num mimetismo de gestos repisados e inúteis

finjo que existo.

Que vivo

Que sou

Que sinto

Que penso

Basta!

Sou semimorta rosa. Rosa do nada…

Dispenso palavras piedosas!

Estou enfadada. Agastada.

Tão cansada…

Da colina sopra-me permanentemente

o vento da minha própria insignificância.

(e da tua jactância) …

Do mar banha-me escorreita a baba enfunada.

Insistente, esgoto-me

em gestos desocupados na loucura de procurar ser gente.

E vazia, chocalho sinos por dentro de nada ser. Nada …

Não mais que uma alma inventada, rodeada

de milhões de silhuetas embicadas.

Sinistras sombras!

Dromedários dormem-me no colo dormente.

Espectro fantasmagórico projectado na amurada.

Basta! Basta de colar reflexos partidos,

de fingir que me revejo,

que sou o teu maior desejo … que te sou bela,

translúcida, lúcida, com sentido.

(In)versos, todos os passos que dou,

não me levam a nenhum lugar.

Mumificada,

corto o tempo à navalhada em fatias atomizadas.

Fragmento o rumor do silêncio em partículas volatilizadas.

Num mimetismo de gestos repetidos e inúteis

concluo que

as minhas palavras não tem dentes…

Tem barbas brancas, nubladas. Têm o pó trespassado

na solidão das inóspitas madrugadas.

Basta! Cravo a preceito com cravos profundos,

os prantos, os gritos,

no lugar certeiro do lado esquerdo do peito.

Nem sequer choro …

Corto a raiz aos pulsos quentes…

Deixo que o sangue corra, seja sapo frio…

Emulo-me na forja do alto-forno.

Fustigo-me na bigorna do ferro dorido,

onde reside o acervo de um mulher em derrocada.

Larga-me,

deixa que suba, que suba a montanha encantada …

E que no abismo final de mim me sepulte projectada.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 17/04/2007
Código do texto: T453411
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