Deriva-me um estado d’ alma magoado
Deriva-me um estado d’ alma magoado,
que não é rima, poema, canção ou fado...
É sina, karma!
Fraga, feita de areia. Duna, adunca, granítica.
Rio que escorre sem ter água.
Constelação de bruma, melancolia, escuridão.
Luz de finda candeia, negra noite de lua-cheia.
Pássaro dúbio, confundido, em sofreguidão,
que não encontra sentido nas estradas do céu.
Pássaro ferido... que perdido, se perdeu,
Cavalinho relinchante em crinas altivas no
desalinho esboçado em folhas de papel fino.
É a carne rasgada a quente, dobrada para além
dos cotovelos vivos do tempo. São gemidos agudos,
anotados de seculares viagens.
Bagagens ... Outras vidas.
Deriva-me pardacento um sono moribundo
onde se esfingem audácias em rostos agonizados.
Torturados em troncos.
(Não existem oráculos capazes de albergar
tal contrição. Vis passados ... assassinos)
Por nós, negros escravos, não tocam sequer os sinos ...
Cruzados de lá dos terreiros, sempre putrefactos
cheiros a carne ferida, chacinada. Lamentosa.
Adocicada nas narinas aromatizadas p’las frutas tropicais ...
Deriva-se-me sem sentido, este sentir descolorido,
este sentir nauseabundo, em que se caldeiam urgentes
o teu e o meu corpo. Colados, empapados de suor...
De dor, de amor!...
E a avidez dos teus dedos, na roca dos meus segredos.
E o desejo filtrado na película cambraia de sal ...
em permanente nudez. No reencontro purpurado
na salinidade da tez. Uma e outra e outra vez!
Deriva-me um estado d’ alma magoado,
provindo de outro tempo de um longínquo passado!