MATA-ME SAUDADE!
De repente, me transformei em saudade!
Minhas partículas, meus átomos,
todos os componentes de mim mesmo
toldaram-se em simples lembranças,
viraram um mar de recordações
onde as vagas suavemente vão e vem,
levando e trazendo, inexoráveis,
aqueles momentos inesquecíveis.
E como saudade dói, amarga e chora,
sofro, sinto-me perdido em amarguras,
tomado por inteiro pelos dolorosos
espinhos insaciáveis da angústia.
Se olho as paredes silenciosas ao redor,
lá está ela sorrindo para mim,
correndo para me abraçar sem vir.
Ao deitar, a presença dela é palpável,
mas ao chegar perto, esvai-se, some,
não passa da força da saudade.
Em cada espaço do nosso lar, constante,
se vê o seu rosto, o seu corpo lindo,
seu jeito brincalhão de menina-mulher.
As portas se abrem e fecham sozinhas,
como por impulso dela, como se, em êxtase,
ela fosse surgir repentina na sala,
no quarto, na cozinha, em algum vão
ora triste da nossa casa vazia de amor.
Apenas o silêncio me escuta e cala,
tão-somente os móveis veem, tristes,
minhas lágrimas túrgidas descendo.
Ah saudade que apunhala e magoa,
lembranças que só a fazem aumentar,
dor que nunca termina, só transcende,
ausência que maltrata devagar, impiedosa,
que esfaqueia milímetro a milímetro de mim
como se quisesse unicamente cortar-me
em fragmentos para espalhar meu ego
à força do vento que ruge lá fora!
Ah esse nada absoluto em que fiquei
depois de sua partida, zero à esquerda
servindo tão-só para ser apagado.
Esses dias de toda saudade em meu ser
acabrunham-me, entristecem-me,
marcam minha alma de forma profunda,
destoam dos sorrisos felizes de quantos
não conhecem, não sabem a agonia
porque passa este meu coração em dor.
São horas, dias e semanas na corda bamba
da ingente falta que ela me tem feito,
de desejos não satisfeitos, de beijos,
carícias e afetos amorosos não saciados.
Ah saudade que aos poucos me faz perecer.