Mordaz
Esse verso perverso
que tangencia a rua,
a calçada suja.
Esse lirismo empoeirado.
De purpurina mental.
De brilhos imaginários.
A refletir no espelho
a vaidade esvaindo no tempo
Esse verso que ironiza a sarjeta.
Que vê Quixotes e Sancho Pança por aí...
Que cumprimenta magos, duendes e bruxas
Que rende homenagens à rainha destronada e louca,
À princesa principiante em tudo...
Inclusive na parca nobreza de veias cianóticas.
Que reverencia o bobo da corte,
o coringa da tragédia cotidiana
ou dos jogos sem verdade.
Ou simplesmente odeia
os ditadores circunstanciais
Impávidos e grandiloquentes
A vociferar aos vermes ordens,
mandamentos e dogmas.
Esse verso que jaz na
ponta esquerda do bordado.
Pendurado na mesa de jantar
à espreita de alguma migalha
Ou atenção.
É quase um quasar incandescente
e invisível.
É feito de silêncio e fonema
De dor e pústula.
Que traz proporções inchadas
E um tanto convexas.
Que tenta em vão construir a ponte
Entre o poente e o nascente.
Entre o abismo e o horizonte.
Entre o infinito e o possível.
Entre o razoável e o inatingível.
Entre a imaginação e o espírito.
Esse verso perverso .
Ri de absolutamente tudo.
É uma hiena catinguenta...
Pois ele é o avesso exposto na janela.
É o tapete virado e exposto ao sol e ao vento.
E, depois com a tempestade
Vem a limpar os brios com o enxague
De sangue e mágoas.
Há muita tristeza enrustida
nos poetas, nas poesias...
É como pérolas em ostras.
Que choram e rimam.
Que rimam e simplesmente celebram
O acaso milagroso da palavra.
O acaso mágico da areia.
Onde o tempo é apenas uma estação
como a primavera árabe.