Assum Preto
Ele é perfeito sem os olhos
Furados
Negro como fora pintado
No dia da criação
Sua canção de olhos vazados
É apenas um lamento
A dor de um ferimento
Que lhe tirou os filamentos
Da luz do sol
Os raios do arco-íris
A explosão de cores do arrebol
Ele é um pássaro com os olhos
De céu
Negras asas no azul voando
Amanhece o dia cantando
Uma pauta que vai dedilhando
Cada acorde
E muito antes que o dia acorde
Ele arpejou seu canto
O colibri nem beijou os lábios
Nectariado da flor
O rouxinol nem declamou seu poema
O bem-te-vi nem abriu os olhos
Da madrugada
O girassol ainda boceja sonolento
Os lírios ainda não vestiram
Seus mantos
A graúna ainda dorme nos negros
Cabelos da América
E ele já relampeja seu canto
No sertão
Decerto a sabiá faz o poeta
Sentir saudades no exílio
O carão sabe orar pra chover
O corvo acende as tempestades
Com seus olhos de presságios
O curió é uma canção sem fim
O coração abre seus tímpanos
O soprano de suas artérias
Emudecem
Mas o assum preto é um mantra
Das matas nordestinas
Não precisa arrancar seus olhos
Nem prendê-lo numa gaiola
Sua canção é a liberdade da aurora
Suas penas é o negro de todas as cores
Seu bico é o aço das cordas
De metais
Ele compõe canções com os raios
Do sol
A chuva para ao ouvir cantá-lo
Enquanto respinga no roçado
Faz brotar os sentimentos
Arrebenta os tegumentos
O doce da cana
Vai embriagar os alambiques
Encher os diques da seiva verde tirada
Com o terçado
Ele é as teclas do baião
A canção que comoveu a nação
O pássaro negro de canto triste
Dos olhos arrancados.
Luiz Alfredo - poeta