EU E O BARCO

Há um barco na areia, no porto,
Há um convite do mar:
-Vem me navegar...
Há no barco uma vontade,
Vontade poética de partir,
De ganhar lugar, sentir,
O movimento, o vento de liberdade,
Há uma impiedosa realidade,
O peso do tempo, o desconforto,
Um barco abandonado, envelhecido,
Esquecido, roto.
Há um eu cismado a olhar...
O porto, o barco, o mar,
Envolvido por estranhos sentimentos,
Também desejando zarpar,
Me levar pelas ondas, pelo vento,
Refletir as diversas nuanças,
Ser um navegante errante, ousado.
Há entre eu e o barco uma semelhança,
Somos tão fugazes, tão limitados,
Há um eu ao lado do barco,
Com o espírito fragmentado, em cacos,
Compartilhando a mesma solidão,
O mesmo ar reticente...
Há na reticência, a impressão,
Eu e o barco somos um, somente.