A dor da vida

Olho a água cedendo a sua umidade

À flor que se abre ao orvalho

De uma manhã em que acordou a amizade

Entre o novo e o velho.

Qual a nuvem que carrega a dor

Da tempestade de um jovem a nascer,

Quando um vivo sofredor

Está na iminência de morrer?

O antes de outrora foi a saldade do porvir,

Mas o fim de um tempo é ir a outro existir;

Porém dói no peito o direito de parir

Filhos de uma terra que os quer exaurir...

A morte e o nascimento renovam o tempo,

A dor e o prazer convivem a contento,

Mas quem irá insurgir-se perante o momento

Em que a batalha do existir vir a campo?

Porém não há nódoa numa roupa que o mar não lave,

Não há beijo entre amantes em que o amor não dure,

Não há paixão que se esqueça e cale

A boca de um poeta que a esperança fere...

Por isso, fantasia, que tuas mãos separem

A realidade do amanhã da de hoje e ontem,

Pois somos irmãos que as mesmas pragas ferem,

Compatriotas de quem histórias contem...

Não vou chorar pela dor que causaram

Ao irmão hostil que da minha chaga desdenha,

Mas quero gritar e clamar sua glória que esqueceram

Com o fim que seu passado desenha...

Oh morte, por que não afagas a pele

Do desgraçado na hora da agonia?

Por que vens tarde e queres

Matar o outro o qual a vida fia?

Qual dor será maior e mais inconstante,

Espelhada e profundamente querida,

Sentida e até sonhada tão puramente

Por todas as feridas?

Que mentira será mais caluniada

Que o desespero por um fim conforme

A versão da história de uma vida contada

Por um mendigo disforme?

Será a lua mais amada que a donzela bandida,

Ou a puta é mais bela que a freira feiosa?

Qual o motivo real da existência falida

De uma vontade manhosa?

Que beleza há na vida, que vontade é viver?

Por que não posso o futuro entrever?

Qual a razão de um mudo dizer

Que ele pode mais que o mudo que não vê?

Mas há uma razão para a existência pura:

A vida dói no que fizer viver

A própria natureza viva sua

Quando seu futuro é morrer...

Ulisses de Maio
Enviado por Ulisses de Maio em 15/03/2013
Código do texto: T4189381
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