Da tua menina que sou

Eu hoje fui ao espelho e tenho ido pouco.

E vi a tua mão sobre a minha mão menina.

Eu era a tua menininha... dos teus versos e encantos.

E estava eu doente e tu choravas - única eu a ti.

E eu era o teu encanto - eu sou, mas não sei como!

Nem mais quando...

E és o meu encanto - não sei ainda como e sei quando.

E toquei os lábios grossos meus - teus.

E lembrei verbos de amores...

E lembrei verbos de dores - nossas.

E te pedi perdão antes de longe estar.

E te pedi perdão novamente e sempre.

Por não te entender tantas vezes - nem entender-me.

E perdoaste-me - e perdoei-me.

E te beijei no espelho de mim mesma.

E chorei por mim e por ti.

No espelho embaçado e barato à minha frente.

Bem à minha frente tu.

E tão longe... longe...

E dói a dor do impiedoso tempo que não volta.

E eu desejei ser adulta criança... só para te entender.

Disseste-me tantas vezes que amavas só à ela.

E vejo que morres... junto com ela.

Aos pouquinhos... em conta-gotas de quase vida.

E esfarrapo-me a roupa da vida na caminhada...

E esvaem-se pedaços tão meus e nada posso fazer.

E é uma desperança tão louca que chego a gritar - muda.

Olho para o espelho hoje.

E deste espelho, apenas eu posso falar - é meu.

E guardo todos os verbos de amores e a boca nossa...

No meu bolsinho do vestido bordadinho por minha mãe,

Da criança que fui - tão tua.

E é isso que quero eu guardar...

E é onde quero guardar:

No bolsinho do vestido bordadinho...

Da menina tão tua que eu fui.

De resto... à mim, nada mais me serve esse espelho.

Então saio. Ensaio um choro.

E apago a luz, então.

Karla Mello

14 de Novembro de 2012

Karla Mello
Enviado por Karla Mello em 16/11/2012
Código do texto: T3988496
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.