Travessia

Atravessa-me o tédio

das vidas pequenas

que veem o Mundo passar

em suas tristes janelas imóveis.

Sinto aproximar-se

a Náusea de Sartre

e o marasmo resignado

das horas e das lutas perdidas.

Em que voo voa o devir,

a gana de sempre ir

e o antigo desejo de resistir?

Qual umbral atravessou

a alma que animava

o corpo que julgavam

ser eu?

A viscosidade dessa

madrugada insone

cristaliza os fantasmas

e plasma os terrores.

A última dose talvez

tenha sido excessiva,

mas nem assim a dor

sentiu-se expulsa.

Sobrepujou a demasia

e reina à revelia,

como insana deusa fria

nessa noite sem maresia,

sem mar de viajar

e sem porto de chegar.

O Tempo é ficar.