ANGÚSTIA

Eu queria embarcar, arriscar, combater,
Sentir uma força quase suprema,
Estar nas telas dos cinemas,
Em forma de um herói, um libertador.
Eu queria revirar o meu ser,
Me desprender da concreta realidade,
Abrir as asas na imensidade,
Ter a leveza de um misterioso condor.
Eu queria desafiar os minuanos,
Hospedar a estranha loucura,
Suster, destemer a noite escura,
A bravura indômita dos oceanos.
Eu queria ter o olhar de esperança,
A perseverança de um pingüim,
Fazer da vida um ato de dança,
Alma-borboleta de jardim em jardim.
Eu queria fazer tudo, do normal ao absurdo,
Transmutar, mudar meu ego sistema,
Ter o alcance de um grito agudo,
A avidez de uma criança dando os primeiros passos.
Não faço nada de nada, apenas me entrego aos poemas,
Às limitações rotineiras do dia após dia,
Sorvo o cálice amargo da angústia,
Uma angústia de Augusto dos Anjos sem piedade,
E em dor rasgo a alma, escrevo... me (des)faço.