Reflita

Num dia ocioso, a navegar pela internet e fuçar os posts das pessoas nas páginas de uma rede social, descobri haver uma página de “concurso de beleza” iniciada por acadêmicos de uma instituição pública do estado de Mato Grosso do Sul. No entanto, havia também um grupo de extrema oposição que reivindicava com pouco trato como as pessoas deveriam usar seu tempo ocioso e, de certa forma tirana, almejava a sujeição dos outros às suas perspectivas como sendo verdades inquestionáveis.

Concordo plenamente no quesito de ter a permissão para expor os possíveis candidatos neste “concurso de beleza”. Quando acessei a página gostei de terem colocado acadêmicos ao invés de nos depararmos com figurinos ou os padrões de uma agência de modelos. Nesta página de rede social são as figuras do dia-a-dia acadêmico, comuns porquanto a vida deles não gira em função de um corpo. Penso que apesar da nossa sociedade mercantilizar os corpos (é fato), de instituir um padrão de beleza no qual assassina a forma como as pessoas percebem seus corpos e de produzir pessoas insatisfeitas e escravas de aparências, enxerguei na página um meio de valorizar as pessoas nas suas reais estruturas físicas- seus biótipos. Ali não segue um padrão, há beleza na sua diversidade, só cada um compreender, respeitar e considerar as diferenças que terão na estrutura física.

Uns terão olhos claros e outros não, alguns serão maiores no tronco e outros menores, alguns terão barriguinha, ou não, outros quadris e seios fartos, ou não, malhados, ou não, cabelo liso ou crespo. Não concordo, contudo, em fazer destas diferenças uma acirrada disputa de beleza a fim de venerar depois como um padrão a ser seguido. Porém, na sociedade carente de reflexão e precária de análise interior no qual nos encontramos, não foram todos que passaram pelo privilégio de questionar o que vem a ser belo. Porventura seja esta a razão para alguns permitirem a avaliação dos outros sobre sua aparência, porque nossa sociedade mama o culto ao corpo perfeito de tal forma que um “concurso de beleza” é tido como um passatempo inocente.

Não deveríamos irromper, ademais, suas representações do corpo, tão indiferentes e exigir o mesmo posicionamento intelectual. Deveríamos nos humanizar diante das problemáticas que surgem, e como responsabilidade daquele que “conhece” ter cuidado pelo outro. Ao contrário de incidir deliberadamente suas práticas, o que automaticamente aciona mecanismos de defesa, poderíamos usar estrategicamente estas brechas à nosso favor. Por exemplo, curtir todos, esclarecer que as diferenças que permeiam as estruturas físicas precisam ser respeitadas e que estas não fazem uns melhores que os outros (apenas diferentes); criar outra página na qual a finalidade não fosse a disputa de aparências, fosse antes colocar, todos que permitissem, sua estrutura física também como algo belo a ser respeitado.

O caminho mais adequado, por conseguinte, para modificar este quadro, não é sobrepor nosso ponto de vista com expectativas de que sejamos atendidos, porque quem sabe até eu teria excluído qualquer crítica que fosse de encontro às minhas percepções de um determinado contexto. Isolar um problema da conformação mental das pessoas e projetar nelas nossa ilusão de que magicamente incorporem nossa análise crítica do culto ao corpo, não é a solução. A luta por respeito pelas diferenças começa pelo reconhecimento de que todos não têm um mesmo ponto de vista e as mesmas experiências numa dada questão. Precisamos nos aproximar de suas vivências e instigar as bases de suas representações mentais à reflexão, a partir das suas formas de ver o mundo; não sobrepor nossas impressões. Não é a angústia e a decepção que devem orientar um movimento, e sim o amor na luta pela mudança. Abraçar uma causa envolve amor, repeito e compreensão; investigar todo o contexto no qual nasce um problema a fim de responder adequadamente, sem levantar injúrias que aumentam ainda mais as diferenças e, consequentemente, polarizam as pessoas por suas opiniões.