Resistir
Quero esquecer com aquela flor amarela
Plantada em meu peito.
Que avisa ao mundo: judeu
Quero apagar das memórias tanta dor
E a humilhação por apenas existir por ali,
Por ser alvo e não saber ser seta.
Quero esquecer o cárcere.
A solidão dos que perderam a dignidade.
Quero esquecer as cicatrizes
que fincam minha história
na pele ...
e borram o pergaminho da alma.
Quero esquecer o ódio.
Se o amor não tem explicação, pois é atávico.
Como entender o ódio, que nos é imposto?
O ódio do ódio que nos é imposto.
Quero esquecer o desdém,
a ironia e o prazer de fazer o outro sofrer...
São patologias e não devem ser colecionadas.
Quero esquecer o campo de concentração
Disperso nesse quarto e diluído em imensidão.
E, incrustado no banho de gás.
Mas como esquecer?
Se somos resultado de tudo.
Se estamos a meio caminho de tudo
Das reticências, dos finais sem condolências
E dos funerais embriagados...
A estrela amarela
Amarelada de velha
De tristeza pálida e singela
De transcrição ingrata e étnica
Que fazia de mim diferente no mundo
Mas o mundo era
um mar de igualdades cruéis
Como esquecer...
Não perdendo o dom de se indignar.
Não calando.
Não aceitando.
Não tolerando
o que for menos que humano e digno
Não abaixando os olhos diante das sombras
E nem erguendo-se
para se disfarçar de moita.
Não deixando o momento passar
Para informar que
sobrevivi e continuarei lutando
Até morrer. Essa é a sina.
Assim, a luta será eterna.
A ideia não morrerá.
Morrem os corpos
Ensanguentam-se os caminhos
Mas cada passo dado em direção à eternidade
Ou à memória
Traz no solado a transcrição solene
da resistência.