Ausência...

O que eu mais receava: encontrar este guarda-roupas vazio.

Ainda que aberto, escancarado qual meu coração sem rumo, agora.

As roupas ausentes. Ausente também a alma...

Quis tanto da vida e dela pouco supus que poderia deixar para trás...

Foi-se perdendo as linhas, os acordes, as páginas...

Ora amareladas ora alvas, de que diriam os poetas, pois ficaram para trás...

Quando entro em casa e me debruço sobre a cama ainda feita...

Restaram as paredes mornas, meio decrépitas de segredos

E restaram uns alecrins murchos, espatifados entre a grama farta...

E, subindo os degraus, de cara ao nada...

Ainda ouço teus passos na horinha do almoço, assim no tardar do meio-dia...

Era hora de esperar teus olhos...

E hoje, o silêncio.

Minto! Restou sim, uma camisa e nela teu suor maduro.

Quantas noites as lágrimas minhas alternaram seu odor de musgo...

De perfume adormecido...

E de quantas maneiras aconcheguei-a ao meu lado para inventar teu corpo...

Vezes mais pude sonhar, calada, esperançosa

Que, ao raiar dos dias, voltaria e tomaria tudo novamente

Os espaços, o tempo, as minhas mãos...

As minhas mãos... os meus delírios...

Fui perder-te nestas curvas onde nem destino explica...

D’um amor tão grande, aja súplica, aja vida que o finde

Num grito de desespero que meu peito jorra

Cada minutos destes amargos dias...

Este guarda-roupas vazio de medo, de dor, de qual mais sentimento houve

Porque eu vago como espectro da menina que amou...

Tudo meu foi contigo e não restou

Sequer uma grafia, um dedo de verso, uma canção que faça a dor amena...

Teu sorriso claro se rasgou junto às folhas escritas...

Teu esboço provocante, tua voz, teu peito onde repousar...

Nada mais que este guarda-roupas e os cabides secos...

E a escadaria solitária,

Os jardins d’algum dia chuvoso...

e as minhas mãos a te esperar no vácuo da morte imensa que se chama solidão...

Anna Beatriz Figueiredo
Enviado por Anna Beatriz Figueiredo em 24/08/2012
Código do texto: T3846175
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