Fragmentos vivos

Quando se sente muita dor

fica-se tão insensível a dor alheia

tão alheio ao que se cerca

tão cercado pelo que desgasta

amealhando fragmentos vivos

de um coração revestido de agulhas

num mergulho vertiginoso

rumo ao nada...

Quando se sente muita dor

fica-se tão vulnerável a dor alheia

atingido pelas coisas a sua volta

mar revolto... sob o vôo de gaivotas

em redemoinho... triste revolta

viagem de ida sem previsão de volta

amealhando fragmentos vivos

de um coração revestido de agulhas

num mergulho vertiginoso

rumo ao nada...

o amor estirado e esquecido

num canto amargo

num canto escuro

faminto e sedento

sem água ou qualquer alimento

morrendo à míngua

enquanto a Lua minguante

insinua-se em tua língua...

há o consolo de existir algo

mas não há algo consolador

insensível a mágoa alheia

quando se sente muita dor...