Diante do fato (o câncer)
Diante do fato,
Do mal anunciado,
Do encontro inesperado
Com o monstro medonho,
O descompasso da surpresa,
O hiato da incerteza
Separando vida e sonhos.
E frente a desgraça,
O medo que abraça,
A certeza da demora
De um desfecho pra trama
Que já na estréia do drama
Arranca a paz e joga fora.
Diante do fato,
De toda a impotência,
Obrigando à paciência
Que nos faz dela reféns,
Aos céus suplicando,
A fé dúbia disfarçando,
Prostrados nos mantém.
Mas a beira da revolta,
Da raiva que já na porta
Envenena o coração
Pondo culpa num castigo,
Nos confundindo o inimigo
Atrapalhando a razão.
Diante do fato,
Da paz dilacerada,
Com a guerra declarada,
Ao conhecer o algoz
Vê-se uma luta diferente,
Travada dentro da gente
Com o monstro dentro de nós,
Que ao punir nos punimos
Pois ao ferir nós ferimos
A própria carne em sua raiz.
E na batalha angustiante,
Nada mais será como antes.
Seremos nós a cicatriz.