BÓIA FRIA
Bóia fria, bóia fria
Que leva consigo
Uma fome tamanha
E a barriga vazia...
Até pode se ouvir
O soar suave do sino
E o badalar do relógio
Batendo ao meio dia...
Bóia fria, bóia fria
A tristeza o arrebanha
Nas entradas e entranhas
Dessa vida sem regalia...
Regados seus olhos se vão
Na manha da manhã a suprir
Querendo satisfazerem
Daquilo que jamais podiam...
Retendo suas mãos calejadas
Da velha enxada enferrujada
E na cabeça seu chapéu esfarrapado
Aquele, de lebre empalhada...
O suor de sua face que escorre
Maltrata seu semblante sofrido
Sua roupa de trapo molhada
Faz seu corpo acossado arder...
Bóia fria, bóia fria
É só mais um camarada
Na labuta do dia a dia
Pra vencer sua jornada...
O fumo de corda picado
Que leva em sua sacola
Só serve para arrebatar
De sua leviana serventia...
De palha o seco cigarro
Um trago, outro trago
E a fumaça que o vento esvai
Em si, só fica o estrago
Tudo isso que a ele se estende
Lhe alivia de uma intensa agonia...
Tem mente de homem
E corpo de animal
Mas dia após dia descobre
Que ano após ano o encobre...
Mesmo assim permanece calado
Padecendo no mesmo lugar
Talhando o mato do bem
E lenhando o mato do mal...
Bóia fria, bóia fria
Seu semblante se abrirá
Quando o sol se despedir...
Ao ver que partira o dia
Seus olhos brilharam
Sentindo sabor de alegria...
Bóia fria, bóia fria
É tamanha a verdade
Que cobre sua noite
Do cansaço do dia...
E faz sonhar com a mãe
Com o pai, o irmão e a tia
E com todos aqueles
Que sempre o bendizia...
Regressar não dá mais
Porque o tempo passou
E sua história ficou para trás!
Autor Valter Pio dos Santos
Set-1980