Morto Por Um Aborto

MORTO POR UM ABORTO

(Este poema é produto de uma ficção que traz à tona o veemente

repudio do próprio feto, contra UM CRIME CHAMADO ABORTO.)

Mãe! Eu consigo e você comigo,

Poderíamos viver juntos por muito tempo

Se não fosse esse seu inescrupuloso intento,

Prestes a decretar minha não-vinda.

Esse intento que desenfeita a beleza feminina

De dois corpos num só.

Que desvenda o mal que você apronta,

Ao ilustrar na tela do desrespeito à vida

Ao apresentar a aparição dos contras

E o desenrolar da eliminação dos prós.

Mãe! Eu que queria ser o fruto de sua existência.

A rósea flor da sua façanha,

Regada com o choro da criança que viria,

Sou, no entanto, um botão pisoteado num canto.

SOU UMA CRIATURA sendo abatida, sem clemência.

SOU UM SER sendo assassinado nas entranhas,

Sob os mandos e desmandos

Da frieza, da perversidade, da covardia.

Mãe, como é pecaminoso esse seu delito!

Emolduras um quadro com falso desenho.

Colas um cartaz com rasurados manuscritos,

Ocultando, no ventre, a falência de seu juízo,

Ao agredir-me, às escondidas, com golpes doloridos,

Certificando-se, assim, que não mais tenho

O vigor que possuí outrora.

O calor materno daquela ocasião...

Nos minutos daquelas horas.

Mãe, eu me perco na escuridão desse desafeto

E, pouco a pouco, desfalecendo,

Sou um feto doado à dor e à agonia.

...Me remexo, me enfraqueço.

Desfaço-me nesse embaraço

Que tanto me judia.

Que me tinge com o corante da violência.

Que me queima com o fogo do sofrimento,

Levando-me a saborear

A ceia das conseqüências,

Como o mais recomendável dos alimentos.

Mulher!

Você é simplesmente mulher, adiante,

Porém, jamais pura ou sublime.

Você não é mais digna

Da minha admiração que se finda,

Ao ser impiedosamente detonada, explodida,

Pela exterminadora sem-vergonhice do seu crime.

Você, pra mim, vale menos que uma moeda,

Pois a gestante que se preza não pratica isso:

Não ignora a semente de sua vida,

Pondo-lhe um maltratante sumiço.

Mulher, conclui-se o seu insensato desejo!

Sei que, prematuramente, sairei.

Que sua barriga logo... logo eu a deixarei,

Para entre os seres vivos não permanecer.

Para não dar e nem receber

Sequer um... um único beijo.

Agora, mulher!

Agora... agora tudo está para ser desfeito.

Se o arrependimento a fizer voltar atrás,

Não será possível dar um jeito,

Porque já é tarde demais.

Porque eu já presencio a morte

Vindo ao meu encalço, ao meu encontro,

E, daqui a alguns segundos,

Ela fará com que eu esteja morto.

Morto por sua conduta contrária.

Morto por seu aborto.

Por essa injustiça cruel e voluntária,

Que me traz o ponto final

De um total desconforto.

Adeus,

Mulher que não quis dar-me ao mundo.

Adeus,

Mulher que não quis ser a minha mãe.

Adeus...

É o meu irremediável fim... ADEUS!