DESABAFO

(Baseado em um fato real)

Seu moço olhe bem para mim...
As minhas mãos calejadas,
Os meus pés rachados,
O meu rosto enrugado;
O meu olhar cabisbaixo,
A roupa suja no corpo,
Um intenso suor.

Seu moço assunta bem, preste atenção;
Eu sou do campo, sou trabalhador braçal,
Sou lavrador, sou peão,
Conheço cada palmo desse chão;
Seu moço eu sei, sou leigo,
Não entendo nada de código penal,
Ibama ou constituição,
Mas, eu tenho respeito, tenho consideração,
Tenho o amor próprio, que é fundamental.

E agora, seu moço!
O que é que eu faço com esse amor?
Com essa consideração...?
Para onde foi a minha razão?
Sabe o que é seu moço?
É que de repente, assim, sem mais nem menos,
Sem qualquer explicação;
Me jogaram nos solo dessa prisão.

Seu moço, que situação!
Sem honra, sem direitos, sem brio,
Mais do que o corpo, a alma sente frio;
O motivo seu moço...?
O senhor não vai acreditar!
Ainda assim vou te contar;
O meu crime foi uma árvore descascar,
E das cascas fazer um chá;
Para a dor de a minha mulher aliviar.

Seu moço, uma coisa eu vou te perguntar;
Me responda sem titubear,
Isso é lá algum crime?
Não, não precisa me responder;
A sua cara de espanto é a resposta que eu queria ver;
Mas, os doutores da lei, os entendidos do assunto,
Dizem que é crime; um ato inconstitucional,
Dizem que eu feri o código do Ibama,
Que a árvore é um patrimônio nacional,
Que o que eu fiz é muito grave,
E com base num tal artigo, num inciso tal,
Agora, como se diz na capital, eu estou em “cana”,

Aí, eu continuo a indagar seu moço;
E o desmatamento na Amazônia,
E a caça ilegal,
E a prostituição infantil,
E o contrabando, a corrupção,
E descaso com o senil,
E as demais coisas que são feitas,
De um modo tão vil;
...Isso não é grave, não é crime, não é o fundo do poço?

Me desculpe seu moço,
Se nesse desabafo eu estou te cansando,
Te asseguro, já estou terminando;
É que eu só queria deixar registrado;
Em toda a minha vida, nunca fui tão humilhado,
E é com toda sinceridade que eu estou declarando;
Bem melhor seria naquele dia,
Se tivessem me matado,
Pois um homem como eu,
Jamais conseguirá viver indignado.