O Passarinho Morreu
O Passarinho Morreu
Um beija-flor morreu hoje cedo e o culpado fui eu.
Vi quando veio veloz à procura da flor ideal – que sempre esperam encontrar –
para cumprir sua missão de fertilizar flores e frutos,
multiplicando a misteriosa maravilh da vida,
em penetrações de seus longos bicos, (falos?),
nas mais recônditas partes das flores, que ali estão prontas para serem fecundadas,
e o fazem incansavelmente, do nascer ao por do sol, com amor e consciência...
Bateu com força no janelão de límpido vidro, que me permite
apreciar a paisagem comodamente, isolado do mundo,
bloqueando o espaço que não me pertence mas do qual me aposei.
No momento do choque, despertado pelo barulho que fez,
tunc,
o meu silêncio desmoronou com a constatação da violência que praticara.
Ergui minha casa no meio da mata,
reino de pequenos animais, insetos, pássaros, flores e plantas várias,
atribuindo-me o direito de delimitar fronteiras – paredes e vidros,
para criar um outro mundo, só meu e de mais ninguém.
Eu aqui dentro, protegido pelos meus gostos, o resto todo aí fora, longe de mim.
Enojado do mundo contentava-me com meu isolamento,
até a morte do pequeno pássaro que rompeu com meu sonho tão cultivado,
para olhar a paisagem, com suas cores cambiantes,
nas várias horas do dia e a noite as estrelas e cada instante me envolver no silêncio,
pouco me importando com todo o resto, desde que Mozart não fosse interrompido
ou perturbado minhas conversas com o Pessoa, o Drumond e o Maughan....
A natureza, com seus entes fantásticos, lá fora, tratava de me fazer feliz e alegre
com suas coreografias balançando galhos, trazendo os cantos dos pássaros
e o colorido das suas flores e eu, em retribuição, só oferecendo uma pretensa
tranqüilidade, uma paz de espírito, soberba e falsa, agora sei.
Me sentindo pleno e saciado, longe das dores do mundo, arrogantemente
só e egoísta, dizia estupidamente para o vazio tranqüilo dos meus domínios,
imitando Alguém: “Deus viu tudo que tinha feito: e era muito bom”.
Tunc...
Minha “divindade” pretensiosa esborôu-se instantaneamente...
O ruído da pancada de um pássaro, no vidro da janela, eliminara uma vida,
exterminara com um parcela da beleza que procurava cultivar.
A antiga angustia voltou com a convicção de pertença, irremovível, a um mundo cruel.
Nada posso fazer para me isolar dos outros aspectos da vida, que me cercam,
obrigando a participar desta trama que a cada um enreda, inexoravelmente...
Foram tão efêmeros os dias de sossego isolado, da vã esperança de liberdade total,
a ser encontrada na elegância de uma solidão cultivada e querida.
Então chorei, chorei muito, por mim,
pela impotência do vidro da janela em me proteger,
pela morte do beija flor...
Eurico de Andrade Neves Borba, Ana Rech, março 2012.